Blog do Prof Nescau

sábado, 21 de julho de 2012

TALENTOS DISTINTOS


Por: Mauro Ribeiro


Talentos naturais. O ciclismo está repleto deles. Seja no monumental cenário europeu ou na cada vez mais defasada paisagem nacional. Seja no ciclismo de estrada ou no ciclismo de pista. Do multicampeão Tom Boonen ao polivalente Magno Prado. Todos construíram (e ainda constroem) sua história, mas de formas mais que distintas.

Compará-los? De maneira alguma. O histórico vitorioso de ambos (e o peso de tais vitórias) contrasta com o abismo de estrutura que cada um teve ao longo de sua carreira. Nascido na Bélgica, um dos países com maior tradição no ciclismo, Tom Boonen, hoje com 30 anos, teve ao seu dispor um processo mais do que natural entre seus conterrâneos. Já o nosso Magno, quatro anos mais novo, nascido em um país sem grandes referências no esporte, conviveu com as limitações e o já quase ultrapassado amadorismo do ciclismo profissional brasileiro, que segue com seus tropeços.

“Só quero ter sorte, o resto deixa comigo que eu resolvo”, disparou Boonen na coletiva de imprensa que antecedeu Flandres e Paris-Roubaix, onde tive oportunidade de estar e acompanhar de perto o desenrolar de seus triunfos. Muitos interpretaram o discurso dele como um prova de arrogância. Já eu defino como um estado de confiança que os grandes campeões devem ter. Como não ver nessa frase um reflexo do histórico do que ele alcançou e que fez dele o ciclista bem- sucedido que, no futuro, estará entre os maiores da Bélgica e até mesmo da história das clássicas?

Pode parecer absurdo, mas a sorte que favoreceu Boonen nas monumentais (seu principal rival, Cancellara, abandonou em Flandres) parece uma parceira distante dos ciclistas brasileiros. Até porque a sorte vem depois de inúmeros fatores. Se apenas ela contasse, qualquer um poderia alinhar para competir mundo afora.

Depois de respirar os bons ares da primavera europeia, foi uma satisfação retornar ao Brasil e ver que um dos nossos principais nomes da atual geração conquistou o título na Volta do Uruguai. Prova tradicional, e que teve a presença de ciclistas de renome da América Latina.

Magno mostrou ser completo, e uso esse termo comparado aos valores conhecidos por aqui e em terras vizinhas. Teria sim a capacidade de estar no universo dos grandes, mas tudo não passa de teoria. Fatores conspiram contra. O principal deles é o tempo, já que 26 anos é uma idade fora do padrão de transferências para a elite do ciclismo. O mesmo mal de Gregory Panizo. Se ainda é possível? Sim. Mas é preciso encontrar as pessoas certas, no momento certo. Esse momento pode já ter passado, sem que ninguém soubesse usufruir da capacidade de mais um talento brasileiro.

Culpa dele? Não. Foi o próprio Magno quem pagou por isso. Enquanto lá fora existem oportunidades, por aqui as portas se fecham com uma facilidade que surpreende o maior dos pessimistas.

Voltando ao fator sorte, acredito que ele até possa soprar a favor dos mais capacitados. Estar na hora e no lugar certos é muito importante — às vezes até mais do que as horas de treino. Mas é preciso muito mais para que possibilidade se torne realidade. Histórico não se constrói da noite para o dia, exige planejamento, e isso é uma carta mais do que marcada no ciclismo.

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